Quem pode livre ser, gentil Senhora,Vendo-vos com juízo sossegado,Se o Menino que de olhos é privadoNas meninas de vossos olhos mora?

Ali manda, ali reina, ali namora,Ali vive das gentes venerado;Que o vivo lume e o rosto delicadoImagens são nas quais o Amor se adora. Quem vê que em branca neve nascem rosasQue fios crespos de ouro vão cercando,Se por entre esta luz a vista passa, Raios de ouro verá, que as duvidosasAlmas estão no peito trespassandoAssim como um cristal o Sol trespassa. — Luís De Camões

Enquanto quis Fortuna que tivesseEsperança de algum contentamento,O gosto de um suave pensamentoMe fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desseMinha escritura a algum juízo isento,Escureceu-me o engenho co’o tormento,Para que seus enganos não disesse Ó vós que Amor obriga a ser sujeitosA diversas vontades! Quando lerdesNum breve livro casos tão diversos, Verdades puras são e não defeitos;E sabei que, segundo o amor tiverdes,Tereis o entendimento de meus versos. — Luís De Camões

Se tanta pena tenho merecidaEm pago de sofrer tantas durezas,Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,Que aqui tendes uma alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,Desprezos, desfavores e asperezas,Que mores sofrimentos e firmezasSustentarei na guerra desta vida. Mas contra vosso olhos quais serão?Forçado é que tudo se lhe renda,Mas porei por escudo o coração. Porque, em tão dura e áspera contenda,É bem que, pois não acho defensão,Com me meter nas lanças me defenda. — Luís De Camões

Tomou-me vossa vista soberanaAonde tinha as armas mais à mão,Por mostrar que quem busca defensãoContra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitória mais ufana,Deixou-me armar primeiro da razão;Cuidei de me salvar, mas foi em vão,Que contra o Céu não vale defensa humana. Mas porém, se vos tinha prometidoO vosso alto destino esta vitória,Ser-vos tudo bem pouco está sabido. Que posto que estivesse apercebido,Não levais de vencer-me grande glória;Maior a levo eu de ser vencido. — Luís De Camões

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixasteQuem não deixara nunca de querer-te!Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,Tão asinha esta vida desprezaste! Como já pera sempre te apartasteDe quem tão longe estava de perder-te?Puderam estas ondas defender-teQue não visses quem tanto magoaste? Nem falar-te somente a dura MorteMe deixou, que tão cedo o negro mantoEm teus olhos deitado consentiste! Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!Que pena sentirei que valha tanto,Que inda tenha por pouco viver triste? — Luís De Camões

O fogo que na branda cera ardia

O fogo que na branda cera ardia,Vendo o rosto gentil que na alma vejo.Se acendeu de outro fogo do desejo,Por alcançar a luz que vence o dia. Como de dois ardores se incendia,Da grande impaciência fez despejo,E, remetendo com furor sobejo,Vos foi beijar na parte onde se via. Ditosa aquela flama, que se atreveApagar seus ardores e tormentosNa vista do que o mundo tremer deve! Namoram-se, Senhora, os ElementosDe vós, e queima o fogo aquela naveQue queima corações e pensamentos. — Luís De Camões

Alma minha gentil, que te partisteTão cedo desta vida descontente,Repousa lá no Céu eternamenteE viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,Memória desta vida se consente,Não te esqueças daquele amor ardenteQue já nos olhos meus tão puro viste. E se vires que pode merecer-teAlguma cousa a dor que me ficouDa mágoa, sem remédio, de perder-te, Roga a Deus, que teus anos encurtou,Que tão cedo de cá me leve a ver-te,Quão cedo de meus olhos te levou. — Luís De Camões

A verdadeira afeição na longa ausência se prova.

— Luís De Camões

A Morte, que da vida o nó desata,os nós, que dá o Amor, cortar quiserana Ausência, que é contra ele espada fera,e com o Tempo, que tudo desbarata.

— Luís De Camões

Os bons vi sempre passarNo mundo graves tormentos;E para mais me espantarOs maus vi sempre nadarEm mar de contentamentos.

— Luís De Camões