Amor é fogo que arde sem se ver;É ferida que dói, e não se sente;É um contentamento descontente;É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;É um andar solitário entre a gente;É nunca contentar-se de contente;É um cuidar que se ganha em se perder. É querer estar preso por vontade;É servir a quem vence, o vencedor;É ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favorNos corações humanos amizade,Se tão contrário a si é o mesmo Amor? — Luís De Camões

Busque Amor novas artes, novo engenho,para matar me, e novas esquivanças;que não pode tirar me as esperanças,que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!Vede que perigosas seguranças!Que não temo contrastes nem mudanças,andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas, conquanto não pode haver desgostoonde esperança falta, lá me escondeAmor um mal, que mata e não se vê. Que dias há que n’alma me tem postoum não sei quê, que nasce não sei onde,vem não sei como, e dói não sei porquê. — Luís De Camões

Transforma-se o amador na cousa amada,Por virtude do muito imaginar;Não tenho logo mais que desejar,Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,Que mais deseja o corpo de alcançar?Em si somente pode descansar,Pois consigo tal alma está ligada. Mas esta linda e pura semideia,Que, como o acidente em seu sujeito,Assim como a alma minha se conforma, Está no pensamento como ideia;[E] o vivo e puro amor de que sou feito,Como matéria simples busca a forma. — Luís De Camões

(…) Que dias há que na alma me tem postoUm não sei quê, que nasce não sei onde,Vem não sei como, e dói não sei porquê.

— Luís De Camões

De quantas graças tinha, a Natureza

De quantas graças tinha, a NaturezaFez um belo e riquíssimo tesouro,E com rubis e rosas, neve e ouro,Formou sublime e angélica beleza. Pôs na boca os rubis, e na purezaDo belo rosto as rosas, por quem mouro;No cabelo o valor do metal louro;No peito a neve em que a alma tenho acesa. Mas nos olhos mostrou quanto podia,E fez deles um sol, onde se apuraA luz mais clara que a do claro dia. Enfim, Senhora, em vossa composturaEla a apurar chegou quanto sabiaDe ouro, rosas, rubis, neve e luz pura. — Luís De Camões

Amor, que o gesto humano n’alma escreve,Vivas faíscas me mostrou um dia,Donde um puro cristal se derretiaPor entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,Por se certificar do que ali via,Foi convertida em fonte, que faziaA dor ao sofrimento doce e leve. Jura Amor que brandura de vontadeCausa o primeiro efeito; o pensamentoEndoudece, se cuida que é verdade. Olhai como Amor gera, num momentoDe lágrimas de honesta piedade,Lágrimas de imortal contentamento. — Luís De Camões

Quem vê, Senhora, claro e manifestoO lindo ser de vossos olhos belos,Se não perder a vista só em vê-los,Já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;Mas eu, por de vantagem merecê-los,Dei mais a vida e alma por querê-los,Donde já não me fica mais de resto. Assim que a vida e alma e esperança,E tudo quanto tenho, tudo é vosso,E o proveito disso eu só o levo. Porque é tamanha bem-aventurançaO dar-vos quanto tenho e quanto posso,Que, quanto mais vos pago, mais vos devo. — Luís De Camões

Eu cantarei de amor tão docemente,Por uns termos em si tão concertados,Que dois mil acidentes namoradosFaça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,Pintando mil segredos delicados,Brandas iras, suspiros magoados,Temerosa ousadia e pena ausente. Também, Senhora, do desprezo honestoDe vossa vista branda e rigorosa,Contentar-me-ei dizendo a menor parte. Porém, pera cantar de vosso gestoA composição alta e milagrosaAqui falta saber, engenho e arte. — Luís De Camões

Ah o amor… que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê.

— Luís De Camões

Verdes são os campos

Verdes são os campos,De cor de limão:Assim são os olhosDo meu coração. Campo, que te estendesCom verdura bela;Ovelhas, que nelaVosso pasto tendes,De ervas vos mantendesQue traz o Verão,E eu das lembrançasDo meu coração. Gados que pasceisCom contentamento,Vosso mantimentoNão no entendereis;Isso que comeisNão são ervas, não:São graças dos olhosDo meu coração. — Luís De Camões