Era uma vez, no meio da floresta,três árvores, que conversavam:

  • Quando eu crescer – dizia a primeira –
    quero ser transformada no berço
    de um príncipe,
    de um herdeiro real.

A segunda arvorezinha,
pequena aventureira,
falou:

  • Eu quero ser um barco, grande e forte,
    desses que singram os mares do norte,
    levando tesouros e riquezas.
  • E tu – perguntaram à menor delas –
    nada vais ser?
  • Oh! estou feliz de ser o que sou!
    Quero ser sempre árvore,
    no alto da montanha,
    apontando para o meu Criador…

O tempo passou.
Vieram os homens,
e levaram a primeira arvorezinha.
Mas não fizeram dela
nenhum berço trabalhado.
Pelo contrário, mãos rudes a cortaram
transformando-a numa manjedoura,
onde os animais vinham comer.

E, ao ver-se ali,
no fundo da estrebaria,
a pobre árvore gemia:

  • Ai de mim! tantos sonhos transformados
    num simples tabuleiro de capim!
    Mas, lá do Alto, uma voz chegou:
  • Espera e verás
    o que tenho preparado para ti.

E foi assim que,
numa bela noite de verão,
na estrebaria, uma luz brilhou,
quando alguém, se curvando sobre a manjedoura,
nela colocou um neném envolto
em faixas e paninhos.
Oh! era tão jovem a mãe,
tão lindo o pequenino,
que, se lágrimas tivesse,
teria chorado de emoção!

Principalmente, quando ouviu os anjos
e compreendeu:

  • Que lindo destino o meu!
    Em mim dorme mais que um príncipe,
    mais que um rei – o meu Deus!

O tempo passou, passou…
Da segunda árvore a vez chegou.
Levaram-na para os lados do mar.
Mas, oh! decepção!
Nada de grande navio, nem mesmo um barco
de recreio.
Simplesmente,
humilhantemente,
um barco de pescar.

  • Ai de mim!
    Que foi feito dos grandes sonhos meus?
    Viagens, tesouros,
    alto-mar?
  • Espera e verás o que tenho para ti –
    a árvore pareceu ouvir,
    enquanto na praia alguém acenava,
    pedindo para ser transportado.
    Que olhar sublime!
    Que poder na voz, ao ordenar:
  • Pedro, lança outra vez a tua rede ao mar!
    A pesca maravilhosa aconteceu,
    e o barquinho estremeceu:
    Que maior tesouro poderia transportar
    que o Soberano do céu,
    o Senhor de toda a terra,
    o próprio Dono do mar?

Mas, eis que chega a vez
da última arvorezinha,
aquela que desejara apenas
ser árvore apontando para Deus.

Havia um prenúncio de tragédia,
já na face daqueles que a foram procurar.
Eram homens taciturnos, revoltados,
que a desbarataram apressadamente,
como se o trabalho lhes causasse horror.
Levaram-na para a cidade,
cortaram-na em duas partes,
que negros pregos uniram,
dando a forma de uma cruz.

  • Deus do céu! Que aconteceu comigo?
    Eu, que desejei apenas ser
    um marco amigo,
    apontando o teu céu de luz?
    Por que me transformaram nesta cruz?

Mas o consolo chegou também ali:

  • Espera e verás
    o que tenho preparado para ti.
    Vieram os soldados,
    levantaram a cruz,
    e a puseram sobre os ombros
    de um homem coroado.
    Só que a coroa que ele trazia,
    não era de ouro nem de pedrarias:
    era de espinhos!
    Uma horrível coroa,
    que fazia cair
    pelos caminhos
    o sangue daquele estranho
    condenado,
    que não blasfemava,
    não fugia,
    cuja face macerada refulgia,
    mesmo sob o sangue e o suor!

Mas havia uma dor maior naquela face,
mais profunda que a dos espinhos,
da carne rasgada pelos açoites,
do peso que fazia tropeçar.
Dor maior, jamais contemplada,
atravessou a cidade,
subiu o monte Calvário,
foi levantada na cruz.

Dor antiga, antes do início do mundo,
erro de todos os homens,
miséria de toda a terra,
ausência do próprio Deus.
Uma dor só entendida quando
o sublime condenado,
erguendo os olhos ao céu
e, como quem rasga a alma,
num grande brado, indagou:

  • “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?”
    E a resposta chegou,
    na terra, que escureceu,
    nos mortos, que ressurgiram,
    no véu do templo rasgado,
    na exclamação do soldado:
    “…este era o Filho de Deus!”

Naquele instante de treva,
do silêncio mais profundo,
para a árvore fez-se luz.
Ali estava seu sonho
para sempre eternizado:
para perdão dos pecados,
a partir daquele instante,
os homens se voltariam,
como único recurso,
sempre, sempre, para a cruz.
E assim entrou para a história,
com a sorte bela,
inglória,
que dupla missão encerra:
aos homens aponta o céu,
a Deus lembra a dor da terra…

Assim eu, também, Senhor,
gostaria de saber:
Por que foi que vim aqui?
Para dócil obedecer o que traçaste pra mim?
Mas, seja qual for meu destino –
berço, barco, triste cruz –
dá-me a graça, Jesus,
de em tudo compreender
que o importante é teu Plano,
a mim cumpre obedecer.
Seja berço do Menino,
todo hosana, graça e luz;
barco para teus milagres,
seja a vergonha da cruz,
o que importa é teu reino,
a tua glória, Jesus!

— Myrtes Mathias

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